terça-feira, 27 de março de 2012

Posted by jinson on terça-feira, março 27, 2012 1 comment
Às vezes algumas pessoas cruzam meu caminho tão rapidamente e deixam marcas tão fortes que é difícil de explicar. É mais ou menos assim: conheço uma pessoa, sei que provavelmente nunca mais irei encontrá-la na vida, mas não consigo parar de pensar em sua história por um bom tempo. A última relatada aqui no blog foi a de uma linda e batalhadora mulher que, na semana em que perdeu seu segundo marido, encontrou forças para sair de uma depressão e adotar uma criança. E Deus... como eu rezei por ela e a admirei.

Hoje, a bola da vez é um homem. Na verdade, é ainda uma criança, mas com a sabedoria de um homem de verdade. Ele se chama Santiago, deve ter lá seus 3 ou 4 anos (foi o que ele me mostrou com os dedinhos quando perguntei sua idade), e o conheci na linda pousadinha de seu pai, no litoral catarinense. Foram poucos dias de amizade, mas tempo bastante para que me fizesse perder esta noite de sono.

Quando cheguei com meu marido na pousada, Santiago se apresentou e logo quis saber se tínhamos filhos para brincar com ele. Eu disse que não, mas que se ele quisesse brincar comigo, tudo bem. Diante do pouco caso, me conformei com o não dele. E foi assim que nossa amizade começou. A partir daí, passou a me convidar para ir à piscina, para ver os carrinhos dele e me ensinava como jogar pedras no lago onde morava o “sapão”, seu amigo. Contava sobre seu cachorro (que cada hora ganhava um nome diferente), sobre a casa enorme em que mora e sobre a vida dele na pousada.

Um dia, entre as dezenas de declarações de amor em portunhol para seu pai, disse “pai, quero que você e minha mãe morem juntos, por favor, por favor!”. O pai, indiferente, desconversou em espanhol e mandou o garoto ir brincar na piscina.

Então, comecei a entender Santiago. Na verdade, pude decifrá-lo por inteiro. Ele aprendera a comprar o pai com declarações lindas seguidas de pedidos impossíveis. Era filho único de pais separados. Quando ouvia um “não”, abria o berreiro. Ele conseguia muitas vezes irritar todos na pousada com seus pedidos chantageados. Passei a não cair na dele. E ele, incrivelmente passou a me respeitar. Percebi que o cachorro que tinha um zilhão de nomes na verdade não existia. Que os irmãos que ele dizia ter também não existiam. Era tudo fruto de sua imaginação, e não como a imaginação fértil de uma criança, mas sim como um desejo frustrado de ter uma família.

Cenas e cenas me voltaram à mente. Como a que no dia em que ele me disse pela primeira vez o nome de seu cachorro (algo como Cachorrusky), e completou a frase com “Ele é só um filhote. Mas é um filhote com um pai e uma mãe”. Ou como quando perguntei o nome dos dois irmãos que ele dizia ter e ele respondeu “eles se chamam... Irmãos”. “Os dois se chamam Irmãos?”, perguntei. Ele fez que sim com a cabeça. “Bonito nome!”, completei. Ou quando sua mãe foi lhe deixar na pousada e ele ficou gritando que ela estaria sempre em seu coração.

Todas essas cenas, a indiferença do pai em responder a seu pedido, o modo como ele sempre precisava ser melhor que os outros, ter os melhores brinquedos, o cuidado excessivo de todos com ele... tudo isso me fez revirar o estômago e sentir vontade de abraçá-lo.
Então, lhe perguntei se queria ouvir uma história e percebi que ele sabia contar suas próprias histórias, mas provavelmente nunca havia parado para ouvir uma. Ou talvez, nunca tivessem lhe contado uma.

No dia em que precisei me despedir, lhe pedi um abraço. Ele atendeu meu pedido com um abraço apertado e um beijo na bochecha. Retribuí dizendo que tinha adorado conhecê-lo. E então, ao ver o táxi na porta me esperando, ele me pediu para ficar. E pediu com aquela carinha que sempre conseguia tudo de todos. Eu lhe disse que precisava ir, mas que quando pudesse, voltaria para vê-lo. Ele pediu ao pai se podia ir comigo e, ao som dos berros do choro de Santiago, entrei no táxi de volta pra casa.

Agora, não consigo dormir. Sei que talvez assim que saímos ele voltou a brincar e se esqueceu de que um dia me conheceu. Mas por outro lado, aquela criança mimada somente aprendeu a se defender de seus próprios sentimentos à sua maneira. E aprendeu isso sozinho, já que ninguém esteve disposto a explicar a ele como é que funciona o mundo real. Ele não teve as respostas que precisava. Claro que, na idade dele, não adiantaria explicar como funciona um divórcio (nem os adultos sabem isso). Mas, aquela criatura tão pequena vive em um mundo adulto, tem problemas de adultos, fala como adulto, brinca como adulto, mas é tratado como uma criança boba. Sem conversa, sem histórias, sem respostas. Apenas muitos brinquedos para se brincar sozinho.

Perguntei ao meu marido se ele achava que ele chorou por que lhe pedi um abraço. Ele respondeu sabiamente que acreditava ser porque ele não sabe se despedir. Pensei e disse que ele deveria estar acostumado, afinal, na pousada dezenas de pessoas se despedem toda semana deles. Então, a resposta final foi “mas nenhuma delas lhe dá atenção, conta histórias ou dá abraços”. Então me lembrei que ao perguntar se ele sabia falar alguma palavra em espanhol ele disse “sei dizer tchau”, pronunciando uma palavra que não vou me lembrar nunca mais.

O fato é que a amizade especial que tivemos só surgiu quando comecei a tratá-lo como um amigo. E desejo a você, Santiago, do fundo do meu coração, tudo que um bom amigo pode desejar. Que você cresça feliz, que tenha saúde, alegria, amor, sabedoria e paz, mas que aprenda a ser criança também e que ensine aos seus adultos a mesma coisa que me ensinou, a serem antes de tudo, amigos.

1 comentários :

Anônimo disse...

Olá Bruna.
Sou Iranildo Soares.
Ví seu comentário a respeito dos trabalhos hiperrealistas de Paul Cadden, e concordo plenamente. São perfeitos, mas aqui no Brasil encontramos artistas tão bons quanto. Como gosta de arte, visite meu blog e verá o que consigo com lápis de grafite e esferográfica.
http://iranildosoares.blogspot.com
Abraço e sucesso.